As cidades enfrentam o crescimento acelerado da população e seus impactos. Porém, nem todos os espaços foram pensados para dar conta de toda esta demanda, resultando em problemas nas mais diversas áreas: infraestrutura, mobilidade, habitação, saneamento, abastecimento, entre outros. Ao mesmo tempo, vivemos a era de incríveis avanços tecnológicos que facilitam, otimizam e/ou automatizam uma série de atividades do nosso dia a dia. Então, fica o questionamento: como ainda podemos sofrer com problemas básicos?
Parte disto se deve ao fato de que o planejamento urbano não se modernizou no mesmo ritmo, e ainda não somos capazes de construir espaços verdadeiramente propícios à qualidade de vida, que proporcionem bem estar e felicidade. O reconhecido urbanista Jan Gehl disse uma vez que “nós sabemos mais sobre o que são ambientes saudáveis para gorilas, tigres siberianos e ursos-pandas do que sabemos sobre um bom ambiente urbano para o Homo sapiens”.
Essa máxima nos lembra que, apesar de vivermos na era do big data, pouco fazemos com o volume de dados que possuímos, pois boa parte deles são de qualidade baixa, considerados dados pobres. São desatualizados, desorganizados e pouco substanciosos para balizar a elaboração de políticas públicas que orientem o desenvolvimento dos espaços urbanos.
Porém, cada dia mais, a democratização da internet e a evolução da conectividade, trazem oportunidades de mudar este cenário. É este o momento em que nos encontramos, imersos em uma pandemia global que nos fez acelerar processos de digitalização e sensorização das cidades. E que nos obrigou a criar soluções para lutar pela vida, não pelo fluxo natural que vínhamos vivenciando, e sim por não restar outra opção.
Dentro deste contexto, as poucas soluções que vinham sendo exploradas sobre implantar sensores em quase tudo, criando um fluxo de dados constante nas cidades, deram origem a planos de resiliência, subsidiaram políticas públicas de emergência e passaram a ser a forma mais assertiva de reagir a um inimigo invisível, a Covid-19.
É isso que o especialista em smart cities Renato de Castro, nos conta em sua jornada na pequena cidade de Rovolon, na região do Vêneto, na Itália. Uma cidade de menos de 5 mil habitantes, que fica próxima ao epicentro do novo coronavírus na Itália.
Em sua jornada, Castro relata que Rovolon se tornou um case para a Itália e a Europa com a aplicação de soluções de smart cities. O processo surgiu pautado na participação cidadã e no exemplo de resiliência, utilizando a integração entre bancos de dados, respeitando a privacidade dos cidadãos e impulsionando a interação público-privada. Aos poucos, a iniciativa chamou a atenção de diversos atores, como a ONU, que deram sequência a fundos de investimento e consolidaram cases e boas práticas a serem replicadas nas demais cidades afetadas pela pandemia no país.
Um dos pontos chave ressaltados pelo especialista é que, para uma cidade se tornar uma plataforma digital, não pode haver “silos de dados”, que são a matéria prima da informação. É preciso a integração dos dados, o que ainda é um grande entrave no Brasil, onde cada governo e empresa controla seu banco de dados e não os abrem para pesquisas e integrações.
Na prática, a tecnologia já modificou a maneira como vivemos e utilizamos as cidades. Vivemos conectados através de smartphones e redes de wifi e, assim como o mundo não será o mesmo após a pandemia, as posturas de desenvolvimento urbano também serão obrigadas a mudar. Esta é a janela de oportunidade para utilizarmos a tecnologia em benefício de um planejamento e desenvolvimento urbano mais inteligente. O planejamento de espaços propícios à qualidade de vida, que proporcionem bem estar e felicidade, o planejamento orientado ao cidadão.
*Juliana Palácios é curadora do Smart City Session e coordenadora de projetos do iCities, empresa de soluções para cidades inteligentes que organiza a edição brasileira do maior evento de cidades inteligentes do mundo, o Smart City Expo Curitiba, entre outras iniciativas de fomento ao ecossistema de smart cities no Brasil.