Soluções aplicadas no isolamento térmico de edificações ajudam a reduzir uso de ar condicionado em tempos de crise hídrica
Revogado em abril de 2019, o horário de verão e sua possível retomada voltaram à pauta nacional diante da crise hídrica e da alta nos preços da conta de luz do brasileiro. Embora ele sempre tenha sido usado mais como instrumento de educação e estímulo econômico do que para economia significativa de energia, entidades contrárias e favoráveis à manutenção do horário de verão apresentam dados e interpretações sobre as pressões no sistema elétrico do país. Pouco se fala, porém, sobre a contribuição que as construções inteligentes (Smart Building) podem trazer. Estas, sim, com papel importante quando se fala em economia. Principalmente quando se fala em grandes “vilões” da conta de luz, como o ar condicionado.
É sabido que os aparelhos de ar condicionado, ao lado de chuveiros elétricos e ferros de passar roupa, compõem o “top três” em consumo de energia doméstica. Por isso é relevante apontar que as edificações que investem em estratégias de ventilação e isolamento térmico conseguem reduzir em até 60% o uso do ar condicionado. Vale lembrar que o isolamento térmico garante o conforto das pessoas que vivem e trabalham em tais edifícios.
Há um intenso trabalho de consultoria e de engenharia por trás dessas medidas, para garantir o melhor isolamento de vidros, laje e paredes, por dentro e por fora. Com isso, as reduções no consumo de ar condicionado são expressivas. As chamadas “construções smart” contam com estratégias bioclimáticas, que incluem ainda os materiais dos vidros, os envoltórios das edificações, a ventilação cruzada, entre outras aplicações práticas. Fica mais complexo de se reformar um prédio no modelo antigo, mas é possível.
Voltando ao cenário do horário de verão, que vigorou entre 1985 e 2018, o pesquisador Roberto Brandão, do Grupo de Estudo do Setor Elétrico da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Gesel/UFRJ), pontua que o adiantamento do relógio sempre representou uma economia de energia muito pequena. Nos últimos anos, segundo ele, a medida perdeu o sentido principal de “diminuir a necessidade de investimento em geração, transmissão e distribuição para atender a demanda máxima”.
Segundo Brandão, o horário de verão não foi instituído com o objetivo de aproveitar a luz do dia para economizar energia, mas sim para diminuir o tamanho do pico de consumo – que era localizado no início da noite. “Todo o investimento do setor elétrico das redes, da geração, é feito para atender esse momento de maior demanda do dia. Se você desloca ele mais para a tarde, em uma hora em que alguns consumos já saíram da rede, você poupa investimento”, explica.
Ao longo dos últimos anos, porém, a situação pouco se alterou, já que o consumo no verão é mais forte à tarde do que à noite. Um dos motivos, por exemplo, foi a adesão crescente ao uso de ar condicionado no período da tarde, por escritórios e shopping centers. Além disso, de acordo com o pesquisador, “as lâmpadas residenciais são muito mais eficientes hoje em dia” e grande parte da população substituiu a lâmpada incandescente pela de led, de modo que, à noite, manter o chuveiro elétrico e a luz na residência ligados ao mesmo tempo passou a configurar um gasto de energia elétrica menor.
Retomada econômica
Em que pesem as alterações no relógio biológico, que para muitas pessoas é um dos pontos negativos da mudança de horário, é preciso destacar ainda o fator de retomada econômica, fundamental para o cenário de pós pandemia.
Presidente da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel), Paulo Solmucciavalia que a medida pode representar uma economia na energia elétrica diante do avanço da crise hídrica, mas que o retorno na mudança no horário beneficia as atividades ligadas ao turismo e as atividades em bares e restaurantes, com uma hora a mais para receber clientes e turistas. A medida também é apoiada por Fabio Aguayo, diretor da Confederação Nacional do Turismo (Cntur).
O Ministério de Minas e Energia está estudando iniciativas para deslocar o consumo de energia elétrica dos horários de maior pico para os de menor, otimizando o uso dos recursos energéticos disponíveis no Sistema Interligado Nacional. Mas o governo ainda considera que, nesse sentido, a contribuição do horário de verão é limitada.
Resta avançarmos nas aplicações das tecnologias e soluções em smart cities, não somente nas construções inteligentes e no uso consciente de recursos e insumos, mas também nas atitudes individuais e coletivas. Afinal, uma smart city se constrói com pessoas inteligentes engajadas em prol do bem-estar social da comunidade.
*Caio Castro é sócio-diretor e diretor de relacionamento com mercado do iCities, hub especializado em projetos e soluções para cidades inteligentes, que realiza desde 2018 o Smart City Expo Curitiba, edição brasileira do maior evento de smart cities do mundo.